No Carnaval, as Máscaras Revelam ou Escondem?
O Carnaval é uma festa que, à primeira vista, pode parecer apenas um momento de celebração, diversão e descontração. Mas, se olharmos com mais atenção, veremos que ele carrega camadas profundas de significados psíquicos e sociais.
A Psicanálise, ao longo do tempo, se debruçou sobre diversas expressões culturais, como Shakespeare e a música clássica, mas ainda parece ter explorado pouco essa riquíssima experiência do Carnaval. Neste texto, proponho uma reflexão psicanalítica sobre o uso da máscara no Carnaval e insisto: ela esconde ou revela?
Se perguntarmos "o que uma máscara faz?", a resposta imediata pode ser: "Ela esconde". Esconde o rosto, a identidade, quem realmente somos. Mas, e se for o oposto? E se a máscara ao ser escolhida, ao invés de ocultar, permitir que algo autêntico venha à tona?
Na Psicanálise, sabemos que o sujeito está sempre em conflito entre o que ele quer mostrar e o que precisa esconder. Vivemos equilibrando desejos inconscientes e regras sociais. No Carnaval, essa tensão é liberada:
O tímido se torna extrovertido.
O discreto se veste de maneira exuberante.
O formal se transforma em palhaço...
Freud nos ensina que o inconsciente se expressa indiretamente, através dos sonhos, lapsos e atos falhos. No Carnaval, ele ganha um novo canal: a fantasia. Escolher uma fantasia não é aleatório; pode expressar desejos nem sempre tão aparentes.
Por exemplo, vestir-se de super-herói pode indicar um desejo de potência. Optar por um vilão pode ser um flerte com algum tipo de agressividade. O que está por trás de cada escolha?
Para compreender como cada sujeito se relaciona com o Carnaval, podemos recorrer às três estruturas psicanalíticas.
Para Freud, organizamos uma forma de operar psiquicamente ainda na infância, aproximando-nos de uma das três estruturas: psicose, perversão ou neurose.
Estas estruturas se dão no momento em que nos é apresentado um grande conflito, ao qual chamamos de atravessamento do Édipo. Em determinado momento da vida, percebemos:
Não somos onipotentes;
Nossos pais são falhos;
Nem todo mundo é igual e existealteridade;
Nossos pais, inclusive, ousam amar outraspessoas além de nós;
Precisamos seguir regras...
Com este grande conflito, vêm a inserção da Lei e a castração. A forma de encará-lo - ou melhor, de negar o Édipo - é o primeiro tijolo na construção de noss estrutura psíquica. Podemos negá-lo através da foraclusão (encaminhando-nos para uma estrutura psicótiva), através da denegação (encaminhando-nos para uma estrutura perversa) ou através do recalque/repressão (encaminhando-nos para uma estrutura neurótica).
Vejamos a relação de cada uma delas com o Carnaval:
Psicose: O Mundo Literal
A psicose se caracteriza pela foraclusão. Trata-se de um termo no âmbitojurídico para se referir aoprocesso prescrito, que não existe mais legalmente e sobreo qual não se pode mais falar. Não se pode mais falar! Ou seja, o psicótico tem uma lacuna de simbolização na linguagem. Tudo é muito literal. E como o Carnaval é um fenômeno simbólico por excelência, não cabe aqui uma análise aprofundada dessa estrutura dentro dessa festa - ao menos neste momento.
Perversão: A Transgressão Como Regra
O perverso não recalca, ele denega a castração. Um dos tipos de perversão, inclusive, é o fetiche. Fetiche, da palavra feitiço. Como mágica, o perverço faz sumir toda aquela situação desagradável da castração e inserção da Lei.
O Carnaval pode ser visto, para ele, como um espaço onde as regras sociais são desafiadas, onde se expõe aquilo que deveria ficar oculto.
Minha música preferida se chama "Ela desatinou", do Chico Buarque. Ao reouvi-la, há alguns dias, reparei: talvez ela seja uma perversa. Ela não percebe a diferença entre palco e vida real. Todo mundo já está sofrendo normalmente, todo mundo já voltou à submissão da Lei. Mas ela ainda está sambando... Quem não inveja esta infeliz, feliz? Assim como o perverso, ela debocha da dor do pecado. Não há Lei, não há pecado.
Neurose: O Carnaval Como Palco
O neurótico nega a castração por meio do recalque. Para ele, o Carnaval é um palco onde a fantasia é permitida temporariamente. No entanto, assim que a quarta-feira de cinzas chega, tudo deve voltar ao "normal".
Entretanto, abstenho-me inclusive de escrever qualquer coisa mais sobre o neurótico, pois Moacyr Scliar já narroua estrutura neurótica didatica e lindamente através deste texto aqui.
O Carnaval é um espaço de transgressão. Ele cria um período no qual a permissividade é socialmente aceita. Mas essa permissividade é limitada: ela tem um tempo determinado para acabar. Isso faz dele um mecanismo de regulação social, um "grande ato falho da cultura", onde se permite o excesso, para que ele depois possa ser contido.
Se pensarmos o Carnaval como um espaço de expressão cultural e simbólica, podemos entendê-lo também como um fenômeno de sublimação. Sublimar, na psicanálise, é transformar impulsos primitivos em expressões culturalmente aceitas. O Carnaval, com sua arte, suas músicas, sua estética, é um grande movimento sublimatório.
Afinal, a máscara no Carnaval esconde ou revela? A resposta é: ambas. Ela permite que o sujeito expresse aspectos seus que, no dia a dia, estão reprimidos. Ela libera o desejo ao mesmo tempo em que protege, pois, por trás da fantasia, há sempre um retorno seguro à ordem social.
Talvez a grande lição do Carnaval seja esta: a identidade é fluida, mutável e simbólica. Talvez a grande lição seja a ambiguidade à qual a Psicanálise sempre se agarrou com unhas e dentes. E, nesse jogo entre esconder e revelar, encontramos pistas importantes sobre quem realmente somos.
BRAPSI. Congresso Psicanálise: Máscaras, Ritmos e Desejos: Uma Jornada Psicanalítica pelo Carnaval. YouTube, 2025. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hx1pRC2sHUA&t=15004s. Acesso em: Acesso em: 17 fev 2025.
CARNEIRO, A. B. F., PENA, B. F., CARDOSO, I. M. Entrevistas preliminares: marcos orientadores do tratamento psicanalítico. In: Reverso. Belo Horizonte, v. 38, n. 71, p. 27-36, jun. 2016.
CHRSTIAN DUNKER. Semblantes e mascaradas. YouTube, 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qHPsRkdPQTk&t=531s. Acesso em: 17 fev 2025.