Os papeis de gênero tais como conhecemos em nossa sociedade são construções que somente correspondem a uma forma de ver o mundo, encerrada em um espaço e tempo específico.
A Rita von Hunty deu uma entrevista em que ressoa a afirmação: “A idéia de um gênero binário é uma importação européia.”
A ocorrência de sistemas de gênero não-binários é tão comum na humanidade que surgiu em todos os continentes e em todos os períodos históricos. São culturas que, se observadas de perto, mostram que a forma usada por nós para lidar com sexualidade, sexo e identidades é apenas uma entre as muitas possibilidades existentes e que nada é uma verdade absoluta neste mundo.
Todos os povos ameríndios, por exemplo, do Canadá à Patagônia, tinham sistemas de gênero em tríade: homem, mulher e dois espíritos - pessoas que eram habitadas pelo espírito masculino e feminino, em maior ou menor grau.
Na sequência, compilei alguns exemplos de povos com identidades de gênero com as quais não estamos familiarizados:
Os “Mahu”, na Polinésia Francesa e Havaí, são pessoas com identidade de gênero ambígua que incorpora características consideradas tanto masculinas quanto femininas. Não é que eles fossem um menino que queria ser menina ou uma menina que queria ser menino. Eles são os dois, tudo junto e misturado. Eram valorizados como cuidadores, curandeiros e guardiões dos valores e costumes.
Os Quariwarmi eram xamãs do terceiro-gênero que atendiam à uma divindade jaguar chamada Chuqui Chinchaya.
Eles cultivavam um visual andrógeno como um sinal de que representavam um terceiro espaço que negociava entre o feminino e o masculino, o presente e o passado, os mortos e os vivos.
Os Guevedoche foram pessoas não binárias que surgiram a partir de critérios biológicos (o que é bem raro).
Há um traço genético hereditário que faz com que bebês nasçam com gônadas masculinas, mas aparentem ter genitália externa feminina até a puberdade, quando se desenvolvem como garotos. Como normalmente essas crianças foram criadas como meninas até mais ou menos os 12 anos, em vez de mudarem o gênero, os dominicanos acabam encaixando-as em um terceiro gênero: Gevedoche.
Maior grupo étnico do sul da Indonésia, os Bugi reconhecem não apenas duas ou três identidades de gênero, mas cinco. Além do Makkunrai (feminino) e Oroané (masculino), eles também têm o gênero calabai (um equivalente aproximado de homem trans), calalai (mais ou menos o que seria pra gente uma mulher trans) e bissu, que é algo como uma união de todos os gêneros.
“Nem homens, nem mulheres, tudo ao contrário”. É assim que se definem os Muxes y Nguiu’, indivíduos pertencentes ao terceiro gênero do povo Zapoteca, no istmo de Tehuantepec, no sudoeste do México. Os Muxes são homens que assumem uma identidade feminina sem necessariamente abrir mão da masculina. Em algumas famílias, o nascimento de um muxe é considerado uma benção.
Aravani,, tradicionalmente encontradas no estado do Tamil Nadu, são as pessoas que nascem homens, mas adotam papeis femininos. O nome significa noivas de Aravan, uma divindade hindu.
Aravan é uma figura que aparece em um dos textos mais antigos e importantes da mitologia hindu, chamado Mahabharata.
A história conta que Aravam foi um guerreiro que se ofereceu em sacrifício na batalha de Kurukshetra. Antes de morrer, entretanto, gostaria de se casar.
Havia um dilema: como ele estava prestes a ser sacrificado, nenhuma mulher queria se casar com ele. Para atender a esse pedido, o deus Krishna tomou a forma de uma mulher chamada Mohini, casou-se com Aravan e passou a noite com ele antes de seu sacrifício.
Krishna, ao assumir a forma de Mohini, personifica a fluidez de gênero.
A psicanálise questiona as categorias fixas e binárias, explorando como o gênero se constrói ao longo da vida, marcado por desejos inconscientes, identificações e experiências simbólicas.
A identidade de gênero não é uma realidade biológica estática, mas um processo que envolve o desejo, as normas sociais e a linguagem, elementos que podem fluir e se transformar.
A fluidez de gênero é uma manifestação legítima da complexidade do sujeito!